Amigas e amigos,
Eu
quero contar a vocês uma história. Em julho de 1979, eu vim a Minas
para atender ao chamado dos trabalhadores da construção civil, que
haviam deflagrado o movimento conhecido como “greve dos pedreiros”. Uma
greve, na verdade, organizada pelos próprios trabalhadores, sem o apoio
da direção do seu sindicato, e que pegou de surpresa a população e as
autoridades.
Meses
antes já haviam acontecido em Minas duas outras importantes
paralisações: a dos metalúrgicos de João Monlevade e a dos professores
da rede pública. Desde a famosa greve de Contagem, em 1968, não se viam
em Minas assembleias, passeatas e manifestações de rua tão massivas
quanto as que foram realizadas por estas categorias.
Tal
como em São Bernardo do Campo, as assembleias dos pedreiros de Belo
Horizonte lotavam um estádio de futebol – no caso, as arquibancadas e o
gramado do antigo campo do Atlético, bem perto daqui. E, da mesma forma
que em São Bernardo e outras cidades, também foram duramente reprimidas.
No
dia 30 de julho de 1979, milhares de trabalhadores reuniram-se na Praça
da Estação e subiram em passeata para participar da assembleia. Quando
já estavam próximos ao estádio, a polícia interveio com violência: cerca
de 60 pessoas ficaram feridas, outras 100 foram presas e o operário
Oracílio Martins Gonçalves foi morto com um tiro, no meio da rua cercada
pelos policiais. Oracílio tinha 24 anos, era casado e pai de um filho
recém-nascido. A tragédia fez com que o Tribunal Regional do Trabalho,
numa decisão corajosa, considerasse a greve legal e determinasse o
reajuste salarial e o pagamento dos dias parados.
Para
mim, do ponto de vista existencial e político, aquele chamado dos
trabalhadores de Belo Horizonte foi muito marcante, pois eu não conhecia
pessoalmente ninguém do movimento. Me chamaram e me receberam como um
irmão de classe. Aliás, no apoio aos pedreiros, estive lado a lado com
as principais líderes do novo sindicalismo mineiro: os companheiros
Dídimo de Paiva, Arlindo Ramos, João Paulo Pires, Wagner Benevides e
Luiz Dulci.
Naquele
momento, o que acontecia no ABC paulista, em Minas e em outros pontos
do país demonstrava que o movimento dos trabalhadores havia adquirido
uma nova dimensão histórica. Não era só a oposição à ditadura que
assumia um caráter popular, e a percepção de que o monopólio da política
pelas elites tinha se rompido. Tudo isso era muito importante, mas
havia algo ainda mais significativo:
o
fato de que o avanço do movimento dos trabalhadores já não dependia
tanto de conquistas materiais imediatas. A compreensão de que derrotas e
vitórias faziam parte de um aprendizado coletivo, cuja finalidade, além
da resistência econômica, era a auto-afirmação cultural, social e
política dos trabalhadores e do conjunto das classes populares.
Compreensão
que iria se traduzir, mais adiante, na fundação do PT, na criação da
CUT, nas campanhas das diretas-já e da constituinte soberana, e em
tantas outras mobilizações que transformariam profundamente a face do
país.
Comecei
lembrando a “greve dos pedreiros” para dizer a vocês que a minha
relação com Minas Gerais já nasceu na luta, em torno de causas
libertárias do estado e do país. Surgiu no combate ao autoritarismo e se
consolidou nas grandes batalhas pela redemocratização. Mas não parou
aí. Desdobrou-se em um vigoroso projeto de mudança social e emancipação
de nosso povo, que sairia vitorioso das urnas em 2002, inaugurando uma
nova época na vida brasileira, de desenvolvimento e oportunidades para
todos. Ao longo desse processo, a contribuição de Minas sempre foi
fundamental.
Desde
aquela época, foram inúmeras as ocasiões em que voltei a Minas, seja
para apoiar as legítimas reinvindicações dos homens e mulheres desse
estado, seja para pedir – e obter – o generoso apoio do povo mineiro à
construção de um novo Brasil. Nossa relação foi tecida ao longo de mais
de 35 anos de intenso convívio.
Se
eu tenho tanto respeito e carinho por Minas e – permitam-me dizer – se
os mineiros tem tanto respeito e carinho por mim, é porque entre nós
criou-se uma profunda identidade, é porque acreditamos nos mesmos
valores éticos e políticos, temos a mesma visão humanista da existência,
o mesmo compromisso de vida com a dignidade e a justiça.
Não
existe uma única região de Minas que eu não tenha visitado e, mais do
que isso, que eu não tenha percorrido e conhecido diretamente, sempre em
diálogo com os pobres, com os trabalhadores urbanos e rurais, com os
intelectuais e artistas, com as pastorais, com os empresários e as
lideranças políticas.
Quando
me refiro ao Norte de Minas, ao Sul, ao Triângulo, ao Vale do
Paranaíba, à Região Metropolitana, ao Rio Doce, ao Vale do
Jequitinhonha, ao Oeste, à Zona da Mata, ao Vale do Aço e a qualquer
outro rincão de Minas, não estou falando apenas de nomes e
classificações geográficas. Falo de terras, de ambientes, de
comunidades, de gente de carne e osso – e alma – que tive a alegria de
conhecer nas minhas andanças pelas várias Minas e pelos tantos Gerais
que integram esse inconfundível e fascinante estado.
Tomo
a liberdade de homenagear a cada uma e a todas as regiões de Minas
manifestando o meu afeto pelo nosso querido Vale do Jequitinhonha.
Muitas vezes estive no Vale, e outras voltarei, se Deus quiser.
Em
1995, fizemos no Jequitinhonha uma extraordinária caravana da
cidadania, que se deteve em 11 cidades, de Diamantina a Almenara,
ouvindo e conversando com a população, conhecendo de perto as suas
carências e anseios, e debatendo com ela as soluções para os seus
problemas. Ali descobri pessoas incríveis, que nunca mais saíram da
minha mente e do meu coração, como, por exemplo, o Bispo de Araçuaí, Dom
Enzo, o trabalhador rural Vicente Nica e a nossa pequena grande Cacá.
No
Vale, a fisionomia de Minas à vezes é seca, dura. Tem cicatrizes
deixadas pela miséria e a fome. Com frequência, as mãos e as caras são
ásperas, refletindo a injustiça e o sofrimento secular. Mas aquele povo
também possui uma beleza delicada e altiva, uma força impressionante
para enfrentar as adversidades. É um povo carente, mas insubmisso, que
não se rende à prepotência, à desigualdade, à exclusão. Não aceita ser
embrutecido.
E
o melhor exemplo disso é a esplêndida arte do Jequitinhonha, – a sua
música, por exemplo – que transfigura, com enorme talento, o sofrimento
em esperança, a carência em abundância compartilhada.
Não
tratarei aqui da história rebelde de Minas e do seu insubstituível
papel na construção da nacionalidade. Nem da riquíssima cultura mineira,
de seus poetas e romancistas, de seus pintores, escultores, artesãos,
músicos, cineastas, atores, de seus pensadores e cientistas, dessa
inigualável mescla de razão e sentimento que Minas oferece
permanentemente ao Brasil. Não vou lembrar as delícias da culinária
mineira, para não ficar com água na boca.
Nem
citarei as grandes equipes do futebol mineiro, – o Cruzeiro de Tostão e
Dirceu Lopes, o Atlético de Cerezo e Reinaldo – que encantaram plateias
de Minas, do Brasil e do mundo. Da mesma forma, não vou listar os
grandes líderes políticos que Minas já deu ao país, a exemplo de nossa
querida Presidenta Dilma e também do nosso inesquecível José Alencar.
Só
por ter me dado um parceiro magnífico como José Alencar, eu já teria
que ser eternamente grato a Minas. E por nos ter presenteado com esta
mulher capaz, eficiente e justa, que hoje lidera com tanto êxito os
destinos do nosso país, o Brasil inteiro tem que ser eternamente grato a
Minas.
Recordo
com emoção de alguns companheiros e companheiras que já não estão
fisicamente entre nós – o seu exemplo, sim – e que dedicaram o melhor da
sua inteligência, sensibilidade e energia à vitória do nosso projeto
coletivo e à causa da libertação social. Militantes e seres humanos
admiráveis, despojados, fraternos. Penso por exemplo, em Hélio
Pellegrino, Betinho e Henfil. Em Helena Greco e Célio de Castro. Em
Joaquim de Oliveira e Milton Freitas. No Saudoso Dazinho.
Assumindo
a Presidência da República, em 2003, pudemos retribuir ao povo mineiro
todo esse apoio e carinho. Orgulho-me de ter valorizado fortemente essa
terra e a sua gente. Nesse período, o volume de recursos aplicados em
Minas Gerais foi excepcional. Os investimentos produtivos, as obras de
infraestrutura e os programas sociais que o governo federal realizou em
Minas contribuíram – e muito – para tornar mais digna a vida dos
mineiros.
E o meu orgulho é maior ainda quando vejo que a Presidenta Dilma está fazendo por Minas ainda mais e melhor.
Não
é o caso de fazer aqui o inventário completo de tudo o que o governo
federal fez, na última década, pelo desenvolvimento econômico e social
deste estado. O povo de Minas, mais do que ninguém, sabe como e porque a
sua vida melhorou.
Por
tudo isso, o título de Cidadão Mineiro com que vocês hoje me distinguem
é uma grande honra. Honra que implica em seguir fiel aos valores e
ideais que compartilhamos e que dão sentido a nossas vidas. E em
continuar lutando, até quando Deus me der forças, para fazer avançar a
democracia e a igualdade social em nosso país.
Se
me permitirem, quero concluir dizendo a vocês, com toda a sinceridade,
que, mesmo antes de receber este título tão importante, eu já me sentia
em casa em Minas Gerais. Já me sentia em família, entre irmãos.
Muito obrigado.
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Discurso do ex-presidente Lula na ALMG
sexta-feira, 19 de abril de 2013
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