Afinal de contas, o que é mesmo um país rico

terça-feira, 26 de junho de 2012

Afinal de contas, o que é mesmo um país rico?!





Ganha força, nos últimos anos, um saudável debate acerca dos critérios e métodos adotados pela humanidade para mensurar e para comparar riquezas, sobretudo entre nações.



Neste sentido, muito oportuno o slogan do governo federal (“País rico é país sem pobreza”) que, mesmo involuntariamente, dialoga com essa questão que aqui abordaremos.



O ponto focal é o questionamento que ganha força, contra o critério do PIB para aquele mister. Quero aqui abordar dois aspectos a esse respeito: um livro e um novo conceito. Falaremos um pouco do primeiro neste post, e abordaremos o novo conceito nos próximos dias.



O livro é “Reconsiderar a riqueza” do filósofo francês Patrick Viveret, cujo original de 2003 chegou até nós em 2006, editado pela Editora da Universidade de Brasília.

O autor – conselheiro referendário do Tribunal de Contas francês, relator da missão “Novos fatores de riqueza”, do governo francês e diretor do Centro Internacional Pierre Mendes France, além de colaborador da revista Transversales Science-Culture – discorre, em 222 páginas, as bases de sua reflexão sobre a evolução da ideia de riqueza ao longo da história humana, incluindo-se assim nos atuais debates sobre a própria crise do modelo de desenvolvimento de nossas sociedades.



Uma das causas da origem da atual crise de nosso modelo de desenvolvimento é objetiva: “a pretensa economia do bem-estar é, na realidade, uma economia do muito possuir”, ou seja, ao longo do tempo confundiram-se os conceitos, dando-se a entender que o bem-estar social seria decorrente (ou mesmo sinônimo) de produzir mais e possuir mais.



Estamos iniciando a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20). Pois bem, há dez anos, na Rio + 10, promovida pela ONU em Johannesburgo em setembro de 2002, o então presidente francês Jacques Chirac resumiu bem, em frase que se tornou famosa, a atual crise do modelo de desenvolvimento: “A casa está pegando fogo e nós olhamos para outro lado”.



Para Viveret, a evolução (e consequentes deturpações) da função da moeda ao longo da história, “… passando de meio a fim, explica porque nossas sociedades têm tantas dificuldades para construir um desenvolvimento sustentável”. Na “sociedade de mercado”, aquilo que não tem preço não tem realmente valor. E daí o fetiche da mensuração de riqueza pela via do PIB.



Sua ideia-chave é a da inadequação do PIB como indicador de riqueza nacional. Não existe ligação automática entre o crescimento econômico e o desenvolvimento humano. A ditadura do PIB é ilegítima em todos os planos: moral, filosófico e até mesmo econômico.



E cita exemplos objetivos: um deles é o do acidente com o petroleiro Érika, que afundou na costa francesa em dezembro de 1999 (chamado por ele de “paradoxo do Érika”) e causou enorme dano ambiental e humano. Do ponto de vista do PIB, a catástrofe foi perfeitamente produtiva, porquanto os fluxos monetários de reparação, indenização e despoluição gerou valores agregados na contabilidade privada das empresas e nos gastos públicos, que foram positivamente somados, elevando o PIB e o “crescimento econômico”. E assim quaisquer outros fatos negativos, como acidentes de trânsito, assassinatos com indenizações de seguro de vida etc., são fatores que elevam o PIB. Ainda no paradoxo do Érika, os voluntários que se dedicaram a despoluir as praias vizinhas não ajudaram a elevar o PIB – ao contrário, ao substituírem de graça pessoal potencialmente assalariado eles contribuíram, potencialmente, para diminuir o PIB! Poderíamos citar outros exemplos mais recentes, como a tragédia de Fukushima, que demandará gastos extraordinários e imenso sacrifício ao povo japonês, entretanto com reflexos positivos sobre o PIB…



A origem dessa supremacia do PIB até se justifica, quando no pós-Segunda Guerra os sistemas de contabilidades nacionais tiveram que ser estruturados a partir da lógica da necessária reconstrução, produção, geração de riquezas materiais etc. Hoje, não alcança mais a necessidade do ser humano em medir o seu bem-estar, sem refletir os necessários aspectos ecológicos, éticos, políticos e antropológicos.



Ora, hoje um dos principais pólos de desenvolvimento social repousa na saúde e na educação, que são intensos em mão-de-obra, tornando contraproducente o conceito de produtividade assumido pelas contabilidades, ou seja, as políticas preventivas teriam o paradoxal efeito de reduzir o crescimento, pois, por exemplo, ao evitarem a ida de pessoas à medicina curativa (cirurgias, medicamentos etc.), muito mais cara, estaria somando menos valor ao PIB, como ele é hoje calculado.



Viveret expõe em parte do livro algumas experiências de indicadores alternativos ao PIB, citando dentre eles o IDH, utilizado pelo PNUD a partir dos trabalhos iniciais de Amartya Sen, levando em conta fatores de renda, educação e expectativa de vida – mas que hoje também já mostra sinais de desgaste; o indicador de saúde social, desenvolvido em 1987 por pesquisadores norte-americanos, a partir da ideia não do ter muito, mas do bem-estar (esse indicador, então calculado para os EUA desde 1959, avança até 1970 de forma paralela ao PIB, mas a partir de 1970, com as grandes políticas de desregulamentação ligadas à revolução conservadora anglo-saxônica, os dois indicadores se desvinculam, com a elevação do PIB sendo acompanhada por queda considerável do indicador de saúde social – o livro apresenta um gráfico revelador dessa situação!); outro indicador em evolução é o balanço social, ferramenta cada vez mais utilizada pelas empresas para medir a qualidade de seus serviços e de sua produção, do ponto de vista ambiental e social[1].



Um cálculo provocador feito pelo PNUD é o que compara os investimentos mundiais necessários para tratar os males inaceitáveis da humanidade (fome, falta de acesso à água potável, epidemias curáveis etc.) versus os gastos anuais com a publicidade mundial. Para combater a indignidade humana, seriam necessários cerca de US$ 50 bilhões anuais, cerca de dez vezes menos que os gastos com publicidade! Outras comparações, ao longo do livro, revelam esse quadro de desigualdade mundial: as 225 maiores fortunas do mundo equivalem à renda anual dos 47% mais pobres da população mundial (um trilhão de dólares!!!) e, pior, as três pessoas mais ricas do mundo têm uma fortuna superior ao PIB somado dos 48 países menos desenvolvidos e mais pobres. A conclusão, quase óbvia: a escassez de moeda não está, em absoluto, na origem das principais manifestações do mau desenvolvimento mundial, e sim a sua utilização. Ou seja, não estamos diante de um problema de meios, mas de vontade política, social… A falta de moeda gera a miséria física, mas seu excesso, hoje, gera a miséria moral.



Citando Gandhi: “Existem recursos suficientes neste planeta para atender às necessidades de todos, mas não o bastante para satisfazer o desejo de posse de cada um”. Necessidades x desejos…



Precisamos ter desejo, mas desejo positivo: “o desejo de humanidade constitui a verdadeira alternativa”.



Interessante é sua crítica à visão dominante do que chama de “mito dos produtores e dos sugadores”, segundo o qual as empresas seriam as únicas produtoras de riqueza, enquanto as atividades sociais e ecológicas seriam financiadas por uma subtração da riqueza econômica – ou seja, o social como “gasto”, não como “investimento”. Daí também decorre a lógica que vê o Estado e o conjunto dos serviços públicos como um setor permanentemente suspeito de ser parasitário.



Defende o crédito, ou seja, a democratização do acesso à moeda, citando Jacques Duboin: “nada é mais absurdo do que uma situação em que existe um desejo de produzir e trocar, existem seres humanos para fazê-lo e existem materiais e técnicas para torná-lo realidade, e tudo isso é impossibilitado pela falta de crédito”.





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[1]Desenvolvido e adaptado à realidade brasileira por Betinho de Souza e seu IBASE
Fonte:Blog do Patrus

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